Com um gostinho especial para as gentes do Direito...
Estava a lei acabada de fazer
a despedir-se do legislador,
chegou-se-lhe ao pé o parecer
logo armado em conquistador.
«Então esses parágrafos como vão?»
Perguntou ele com jeito sedutor.
«Ai vão para aqui numa confusão!»
Disse a letra com virginal pudor.
«Deixe isso comigo». E num instante
sacou os Ray-Ban... Quando sorriu,
fê-lo com um olhar tão interpretante
que o fecho éclair da letra se lhe abriu.
Com a ratio legis toda à mostra
o parecer não podia resistir,
e toda a hermenêutica foi suposta
no que o espírito podia consentir.
Explorou-lhe o sentido mais extenso
que o elemento literal lhe permitia;
ensaiou o «a contario sensu»
e chegou a arriscar na analogia.
Aplicou-lhe a maioria de razão
dilatando-lhe o implícito contingente,
de tal forma que, toda a enunciação
se abriu co-normativa de repente.
Todos os sentidos que a lei assim mostrou
recortaram um quadro tão sugestivo
que, mal os considerandos antegozou
logo se lhe arqueou o remate conclusivo.
O parecer ficou exausto depois disto...
mas parecia um relatório tão contente
que se diria à secretária dum ministro
fundamentando tudo, garboso e fluente.
Da primitiva lei, ficaram só sinais
duma singela referência histórica;
mas dos três parágrafos originais
temos agora cem páginas de retórica.
É assim que a doutrina consolida as fontes
aligeirando-as da virtude presumida
mas dando alcance aos curtos horizontes
com que o apressado autor as manda à vida.
(Desconheço o autor. Mas bem haja!!!)
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