Ao ler a Visão dasemana passada (nº 676, de 16 a 22 de Fevereiro), deparei-me com um artigo sobre um tema muito em voga aqui há uns tempos. Ana Lopes, uma antropóloga portuguesa a viver no Reino de Sua Majestade, resolveu dar origem a um movimento sindical de defesa dos direitos dos profissionais do sexo, lá, e prepara uma Plataforma reivindicativa cá em Portugal.
“Pois”, dirão os mais conservadores e moralistas, “deve ser do Bloco de Esquerda.”.
Isso não sei. Mas de facto, o que ela está a fazer na Inglaterra há muito que devia ser feito cá. Até porque são muitos desses conservadores e moralistas de “araque” que recorrem aos serviços destes profissionais. Escondem e depois condenam, com a saloíce tacanha do “olhai para o que eu digo... não olheis para o que eu faço” .
Se é a profissão mais antiga não sei, mas acredito que o corpo tenha sido das primeiras mercadorias transaccionadas.....
Nas palavras da Ana Lopes, “vender o corpo” não é expressão correcta. E de facto não é. Juridicamente, vender uma coisa, e ficar com ela, é burla, ou incumprimento do contrato, no mínimo. Estes profissionais prestam, transaccionam serviços.
Um advogado, um médico, um contabilista, prestam serviços ao cliente – tempo, conhecimento técnico, criatividade, influência (ou não...), paciencia..- tudo com o objectivo de resolver um problema ao cliente, uma necessidade.
E então? Que faz uma prostituta?
O mesmo, mas numa área de actividade diferente, e dita moralmente duvidosa.
È engraçado, se hoje as Prostitutas são discriminadas, alturas houve na história, em que tinham mais direitos que a maioria das mulheres: liberdade, na sua essência. Hoje não. Elas têm que esconder da sociedade o modo como ganham a vida.
Confesso que me preocupo mais com as mulheres que trabalham na rua. Não deve ser fácil aguentar as noites frias, os locais de rasca qualidade, a insegurança e a brutalidade do desconhecido que lhes possui o corpo, a sombra da doença ao virar da esquina, a violência e a exploração daquele que muitas vezes amam, os filhos que não podem criar... nem pelo menos ter....
Essas, se querem saber, respeito-as. Ninguém como elas sabe o que a vida custa. E de dia, na sua vida normal, escondem com garra de ferro a fonte dos seus parcos rendimentos, as nódoas negras causadas pelo cliente e pelo chulo, a dor da dilaceração do corpo e da alma, o sonho desfeito de ter uma vida diferente.
Prostituição de luxo? Mesmo com os riscos inerentes à profissão, não me causa tanta preocupação. Não me suscita grande respeito quem presta esse tipo de serviços, para comprar mais uma mala Prada, mais uns stillettos Manolo Blanhik, mais um vestidinho Cavalli.
O El Corte Inglés está cheio delas. Não só mas também.
Pior: a prostituição pelo poder, pelo status. Não se chama prostituição, claro... chama-se ambição...
No fundo, no fundo, o que é? É prestar serviços idênticos aos da prostituição, para obter um cargo, uma posição social, uma promoção profissional, uma aumento de ordenado, um carro, um casaco de peles, uma jóia Cartier, uma viagem às Caraíbas ou a Paris, de preferência com bagagem Louis Vouitton... Tanta coisa, que se pode obter assim, e é tão fácil: é só passar uns momentos (mais entediantes ou não) com quem pode providenciar essas coisas. Aí, ao invés de pagar em notas amarrotadas e sujas... o cliente passa um cheque em branco, ou até mesmo se dispõe a ir às compras com a prestadora dos serviços...
Amigas, amantes, “tias”, subalternas, queridas, todas ambiciosas... nunca prostitutas. Umas mais, outras menos inteligentes, disfarçam muitas vezes a falta de competência profissional/técnica com competência noutras áreas mais.... como dizê-lo... físicas. E fazem-no com tal destreza e perfeição, que temos todos que aplaudir a sua ascensão social e profissional, com se se tratasse de um verdadeiro merecimento. Enfim.
E o pior é que esse é um expediente que tem vindo a obter um índice de resultados fabuloso.
A prostituição é das profissões mais honestas que conheço. Quem recorre aos serviços de uma prostituta, sabe exactamente ao que vai. Ela não se disfarça de “menina de bem”, ela não tem que fingir que gosta do cliente, ela não tem que fingir orgasmos. Bem, se o fizer, é puro profissionalismo. Apenas tem que responder às solicitações de quem lhe paga, sem dramas, sem “não sei, estou confusa.... não sei se é altura”. Sem rodeios.
Pelo menos, as de rua: fingir o quê? É uma realidade que não se maquilha, não se disfarça. Estão ali, despojadas de tudo, de segurança, de perspectivas de vida, de sonhos. Não sabem o que é qualidade de vida, não desfrutam dos próprios rendimentos. Drogam-se, muitas delas, para que não seja tão mau. Tem que ver em cada cliente uma progressão, mais um punhado de euros. Mas não deve ser fácil.
Proxenetas. “Chulos”, em bom rigor não-jurídico. Tipos que vandalizam as próprias mulheres, namoradas, filhas, amigas, conhecidas, o que vem à rede é “peixe”. O que interessa é facturar. Oferecem os corpos delas, como quem oferece aquilo de que já se está farto. Exploram corpos como quem explora mercearias. Subjugam, escravizam, humilham, usam e abusam. E são eles, muitas vezes, a única protecção que elas têm... de outros como eles. São muitas vezes os homens que amavam, e com quem quiseram partilhar a sua vida. São muitas vezes os seu próprios pais (e/ou mães...), a quem impenderia o dever de cuidar da protecção delas.
Não são só mulheres. São homens também, e cada vez mais. E estes, muito mais polivalentes que elas, porque se começaram a servir a facção da clientela feminina, actualmente o grande cluster é o mercado homossexual. E tanto quanto sei, este é um mundo que pode ainda ser mais cruel, mais sórdido e mais injusto.
Há quem o faça por gosto. Não contesto. Mas há quem o faça para poder sobreviver, há sim senhor. E temos um sistema que só mexe se houver ilegalidade na permanência no nosso país, ou atentado ao pudor... pouco mais. Criminalizar não resulta, mas legalizar também não. Confesso que já defendi a legalização de casas próprias para o efeito – Bordéis – com inspecções de saúde, sujeitos à lei tributária. Mas pelo que tenho lido, de países que já o fizeram... não é a melhor solução, pelo menos não deve ser a única, isso é como que cartelizar a prostituição. Daqui a nada, teríamos a concorrência dos nossos principais grupos capitalistas a bater-se pela posição de topo no ranking nas redes de bordéis..... ou coisa que o valha.
Segurança, Saúde, Educação... alguns direitos constitucionais que estão vedados aos trabalhadores do sexo. E ninguém sabe muito bem porquê.
Resta falar. Resta reivindicar. Resta mostrar. (v. o artigo do Portugal Diário sobre medidas tomadas contra a prostituição de rua na Catalunha - encontrei hoje).
Parabéns, Ana Lopes. Keep on the good work.
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