segunda-feira, junho 10

Era Uma Vez

Era uma vez um pequeno Reino. Mas pequeno mesmo, pouco maior do que um Livro de Histórias para Adormecer. Um Reino do Faz-de-Conta, cheio de personagens sui generis, e histórias de todos os géneros e para todos os gostos. 
Um Reino que se fez crescer a partir de um pequeno quintal a Norte, à força de braço e de espada, desbravando terreno com a avidez de uma fera que estende o seu território, impondo os seus próprios limites, não aceitando os limites dos outros. 

Um Reino bonito, bem localizado. Cheio de altaneiros castelos, jardins imponentes, lindas praias em quase toda a volta das suas fronteiras, extensas planícies douradas a sul, vastas paisagens verdejantes a norte, igrejas e monumentos de muitos estilos arquitectónicos diferentes, pleno de terreno fértil,  mar generoso e clima ameno. 
Um Reino com uma mão-cheia de cidades cosmopolitas, de ruas largas e grandes e modernos prédios,  lojas de marca, belíssimas moradias, imponentes hotéis, estádios, retail parks, outlets e shopping centers, azafamados num frenesim de intensa  actividade quotidiana. 

Um Povo afável, festeiro, conhecido em todo o Universo como de brandos costumes, que é capaz de receber todo e qualquer desconhecido em sua casa como se fosse da família, um povo que sorri para todos ao dizer bom dia, um povo que se esforça por falar línguas estrangeiras para facilitar a vida aos de fora; Um povo culto, de doutores e de novas oportunidades; Um povo que sonha e que vive de sonhos; Um povo que sabe receber, que não manda embora ninguém; Um povo que há mais de quinhentos anos saiu da pequenez da sua casca de noz e foi descobrir o mundo, não para conquistar por destruir, mas para desenvolver, ensinar , prosperar e gerar riqueza, depois deixando que outros povos beneficiassem com todo esse trabalho; Um povo que se contenta com pouco e é feliz assim. 


ERA uma vez. Já não É. 
Os episódios de bravura e as desventuras dos seus heróis foram escasseando, ou então foram desaparecendo os heróis disponíveis. O pequeno Reino foi começando a ser explorado por um grupo de meia dúzia de aproveitadores, em compadrio mais ou menos dissimulado, como uma galinha dos ovos de ouro, a quem se vai dando cada vez menos milho por manifesta avareza.
Deixaram a galinha morrer de fome. E acabaram-se os ovos de ouro. A inércia, o facilitismo, o comodismo  e a preguiça tomaram conta do povo, que foi instruído para tal, que deixou de ter orgulho de produzir, entregou os recursos a terceiros e preferiu a vida de subsídios, apoios, rendimentos mínimos e baixas inventadas; O poder alimentou principescamente este monstro que foi comendo a produtividade do Povo e  transformou uns em sangessugas e outros em sugados de almas desanimadas e insatisfeitas. 
Mas uma coisa se manteve: continua a ser um povo que se contenta com pouco. A vida é dura, mas só se torna insuportável se não se puder ir de férias para mostrar depois as fotografias no Facebook, se não se puder ir aos festivais de verão (pelos mesmos motivos) e ao café todos os dias tomar o pequeno almoço e lanchar, e ainda não se puder ir ao shopping semanalmente comprar roupa de marca e smartphones novos a cada dois meses, sempre com tarifário de internet. Um povo que pára tudo para ver a bola, os documentários sobre a vida do Cristiano Ronaldo, as emissões das Marchas, do Carnaval ,  dos Globos de Ouro e do 13 de Maio em Fátima e mais os programas de Domingo à tarde e à noite na TV. Um povo que gasta balúrdios em chamadas telefónicas nos concursos da TV para ganhar carros e quantias em dinheiro,  e para votar em personagens que, elas próprias, se sujeitam às mais variadas situações humilhantes para ganhar um cachet semanal, muito superior ao que elas valem. Um povo que prefere gastar um balúrdio para deixar os seus filhos sozinhos ir a concertos do Bieber, e aos Sudoestes, a ter que os aturar - e educar -  em casa. 
Um povo que se licencia para ter um título, continua a saber pouco mais do que o alfabeto, e vive em casa dos pais até aos 40 anos e mais, sem produzir coisa alguma a não ser despesa. Um povo que tem que emigrar para pagar as suas dívidas. Uma parte de um povo que trabalha  para receber uma miséria e ainda ter que passar um recibo verde, e ser sujeito a todo um tipo de exigências dignas de um escravo. Um povo de proprietários de casas das quais não precisam, e de inquilinos que não pagam a renda. Um povo de empresários falidos, uns por não terem tido a capacidade de se precaver no tempo das vacas gordas, outros porque acreditaram que se fossem honestos e industriosos iriam ter sucesso; Um povo de netos que dependem das quase extintas reformas e da educação dos avós, enquanto os seus pais estão no café a passar o tempo e a fazer o euromilhões. Um povo de teóricos que não sabe nada de coisa nenhuma,  que se envergonha de trabalhar para ganhar a vida, governado por gente cujo objectivo apenas é levar dinheiro e benefícios para casa, para a família e para os amigos. 
A par de tudo isto, um povo que sonha com o euromilhões, e que acredita mesmo que um dia lhe vai sair o prémio, para  poder comprar um Iphone, um Ferrari , um Mercedes e um BMW, acabar de pagar a casa e, depois,  por-se ao fresco para um país longínquo onde não haja crise. 
Um Povo, sobretudo, que se esqueceu da força que tem. A facção do povo que se recusa a alistar-se no grupo dos parasitas, baixou os braços, pede desculpa se é apanhado a insultar quem o espolia sem dó nem piedade, e deixa-se esbofetear e chicotear por essa cada vez maior classe de prevaricadores que escarnece diariamente do país que anda a destruir aos poucos

Mas continuamos um Reino catita, de belas paisagens, que ainda tem a capacidade de se vender (entendam como quiserem...). Felizmente, não fosse isso e a vontade que os estrangeiros andam a demonstrar em passar férias aqui e ter aqui propriedades, e isto tudo já tinha ido para o galheiro há muito. Valha-nos isso. 

Eu olho em volta e este é o Portugal que vejo hoje. Não é uma visão agradável.
Por isso, hoje é dia de festejar o quê, mesmo? Ah. 





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